Entrevista com Whisner Fraga
Entrevista com André Rocha
Entrevista com Edson Bráz da Silva
Entrevista com Ivo Barroso
Entrevista com Marcelo Serodre
De outros e Diversos
Meu projeto literário, enquanto planejamento, pode-se dizer que iniciou com a publicação do meu primeiro livro O Acaso das Manhãs (1986). Comecei a escrever aos 13 anos de idade, mas eram esboços, etapas de um aprendizado. Eu enchia cadernos e mais cadernos com manuscritos e depois várias pastas datilografadas, mas aos 20 anos queimei todos eles, pois achava que já era hora de encarar a literatura mais a sério.
Entretanto, de vez em quando, retornam à minha memória alguns daqueles versos e eu sinto nostalgia daquela espontaneidade que o tempo fez questão de sepultar. Eu lia muito por esta época, mais do que eu leio atualmente e meus autores preferidos foram se consolidando até chegar a esta tríade que me acompanha até hoje: Drummond, Fernando Pessoa e Augusto dos Anjos.
Mas há outros, não menos importantes, como o Manuel Bandeira, o Graciliano Ramos, Edgar Alan Poe, H.P. Lovecraft, entre tantos.
Eu reviso muitas vezes os meus escritos, acho isso fundamental, principalmente para autores que, como eu, não submete os seus textos a ninguém antes de serem publicados. portanto eles não devem ter palavras faltando nem sobrando e esta é a minha única medida. Mas mesmo assim é preciso esperar algum tempo pela decantação do texto porque “a literatura é a emoção recolhida em tranquilidade”, no dizer do autor inglês W. Wordsworth.
E entendo a literatura como registros, retratos de si, pistas que deixamos como pegadas na areia de uma posteridade que, provavelmente, ninguém irá notar.
Quanto a linguagem eu prefiro uma que seja enxuta, direta, sem rodeios. “sua forma de escrever é ácida, sem concessões. seus poemas são mordazes, incrivelmente corajosos. ele nunca poupa a si mesmo nem ao mundo. Milton vem da melhor tradição da poesia e prossegue com ela” (M.S).
Os meus temas predominantes são a solidão, o amor e a morte. Tudo o que foi retido no território bruto e confuso da memória, reminiscências, revolta e um pouco de ternura.
Minhas preferências são várias, mas de um modo específico, muitas delas giram em torno da morte, dos cemitérios, figuras estranhas e insólitas permeadas por um fator sobrenatural e um fator filosófico. Como de resto em toda a minha poética, esses fatores.
Em 2013 foi defendida e aprovada pela Universidade Federal de Juiz de Fora e depois, já em 2015, publicada em livro a dissertação de mestrado de Maria José Rezende Campos intitulada “Tempo de poesia: intertextualidade, heteronímia e inventário poético em Milton Rezende”, constituindo assim na primeira publicação a tratar da fortuna crítica do autor.
Finalmente eu tenho ainda mais alguns, poucos, projetos literários na cabeça, pelo menos em esboço que espero concluir. De qualquer forma pretendo chegar a um ponto onde eu possa pelo menos suster o meu processo criativo e dar por encerrada a minha atividade literária. Talvez mais uns três volumes e já estará de bom tamanho. Ainda nesse ano de 2023 espero publicar o meu livro “Da Essencialidade da Água” e depois, quem sabe conseguir publicar a minha “Obra Completa – Literária II”. Feito isso ficará faltando, eu acho, mais um único livro “O Outro Lado do Escuro” para eu encerrar. Ciao!
Gênese: neste texto eu digo “autores que, como eu, não submete os seus textos a ninguém antes de serem publicados.”
Isso, no meu caso, é mesmo verdade, exceção feita a “Mais uma xícara de café”. A composição e a escrita deste livro foi algo sui generis que, em mim, não vai se repetir. Mesmo porque, por problemas de saúde, hoje eu já não bebo e tudo o que escrevo é “a frio”.
Escrevi “Mais uma xícara de café”, como digo no próprio decorrer do livro, basicamente sob os efeitos do álcool no organismo. Numa espécie de escrita que obedecia unicamente ao fluxo da consciência ou da sua inconsciência. Eu pretendia colocar em prática uma espécie de “escrita automática”, algo assim como abrir “As Portas Percepção” como o fez o Aldous Huxley. Pois bem, fiz isso em geral no livro todo, mas é claro que no dia seguinte, sóbrio, eu relia todo o trecho e fazia meus apontamentos, correções, revisões e mesmo supressões ou alterações no texto escrito na noite anterior. Mas mantendo a sua essência, o seu fluxo e ritmo próprios.
Naturalmente, depois do original pronto, eu estava confuso e inseguro quanto ao resultado final. Se teria qualidades a ponto de eu decidir publicá-lo.
Assim sendo, pela primeira e única vez eu resolvi submetê-lo à opinião alheia na pessoa do poeta e escritor conterrâneo Marcelo Serodre, então meu amigo e a quem eu prezava sobremaneira a sua opinião literária. Não sem razão.
Então ele, após a leitura, escreveu-me um e-mail desancando o meu original, apontando-lhes inúmeros defeitos. Foi como um balde de água fria. Mas como eu respeitava seus conceitos e opiniões tive que agradecer-lhe pela leitura e os “palpites” que dera. Alguns eu achara pertinentes e outros nem tanto. Isso foi alguns anos antes de 2006/2007, quando da sua redação final e definitiva.
Coloquei os originais na gaveta para decantação e amadurecimento em mim. Lendo-o e relendo-o várias e repetidas vezes eu lhe achava qualidades apesar dos muitos defeitos. Resolvi então colocar as mãos na massa e modificar e reescrever alguns trechos ou passagens. Fiz um trabalho consciente e meticuloso e considerei-o “quase pronto” e acabado. E quando eu considero alguns dos meus livros prontos e acabados eu não mexo mais neles e essa segunda versão eu submeti à apreciação do grande poeta e tradutor Ivo Barroso, meu amigo e também conterrâneo de Ervália, Minas Gerais.
Dessa sua leitura e apreciação ainda surgiram pequenos ajustes aqui e acolá que eu fiz, mandando-o para a editora e ser, finalmente, publicado. Isso já era o ano de 2017. Portanto um longo percurso e espera que valeram a pena, pois foi muito bem recebido a ponto de o consagrado Ivo Barroso chama-lo de “livrão”. Assim o “Mais uma xícara de café” finalmente veio a lume.
Foi no dia 25 de setembro de 1981 que conheci Milton Rezende, quando estávamos sendo empossados no cargo de Mensageiro da MinasCaixa, em Juiz de Fora. Casualmente conversamos sobre alguns assuntos e, em determinado momento, ele disse que escrevia. A partir daí passamos a conversar mais sobre literatura e ele me apresentou seus manuscritos que, na época, eram escritos a caneta mesmo ou datilografados. Cinco anos depois ele publicou seu primeiro livro, O Acaso das Manhãs.
Não é essa característica que predomina no conjunto da obra. Seus dois primeiros livros, O Acaso das Manhãs e Areia: à Fragmentação da Pedra são mais identificadas com a vanguarda ou modernismo brasileiro. Mas existem ecos do romantismo, só que sem o decadentismo que marca o spleen. Já Uma Escada que Deságua no Silêncio, A Sentinela em Fuga e Inventários de Sombras, seus livros mais recentes têm esta presença do romantismo decadentista francês, que foi influenciado por Edgar Allan Poe, e teve no Brasil, como expoente, Cruz e Souza. Ao mesmo tempo, há influência do pré-simbolismo de Augusto dos Anjos em várias imagens. Logo, existem as características românticas, mas muito diluídas no conjunto da obra.
No estilo de escrita, não. Os versos de Milton Rezende são livres, enquanto o romantismo e o pré-simbolismo primavam por formas mais ritmadas. No caso do estilo, a identificação está com Fernando Pessoa e Carlos Drummond de Andrade.
Como já dito, forte influência de Fernando Pessoa e Drummond, na forma escrita. Quanto ao conteúdo, uma angústia existencial que lembra a literatura da primeira metade do século XX.
Não sei se esta pergunta se refere ao escritor Milton Rezende ou a todos os escritores. Então, vou responder qual a função de todo escritor. Stephen King disse que a função do escritor é contar uma história. Eu concordo com isto e digo mais: a função do escritor é contar uma história de forma escrita.
Pelo contrário. Muitas pessoas diziam que a Internet iria acabar com a literatura. Tem gente que diz isso até hoje. A Internet possibilita uma maior divulgação dos trabalhos. Claro que existem escritores de várias qualidades, mas isto sempre existiu. Pessoas competentes e incompetentes existem em qualquer área, e na literatura isto não poderia ser diferente. Cumpre ao leitor se identificar com este ou aquele autor de sua preferência.
Quem dera se eu soubesse a resposta para isto. O trabalho literário se diferencia das demais áreas por este aspecto: não é a qualidade que conta, caso contrário não teriam tantos escritores de qualidade morrendo desconhecidos e até mesmo anônimos. Por outro lado, um escritor medíocre pode até se sobressair em determinado momento, mas sua “glória” dura pouco. Na minha opinião o que conta é sorte.
Em termos pessoais, Milton Rezende é um dos dois únicos amigos que tenho (o outro é Jesus Cristo). Quanto ao autor, é sério e persiste na literatura, quando muitos desistiram. A persistência pode gerar o sucesso, claro. Quanto à sua obra, ela se confunde com sua vida. Milton Rezende escreve sobre aquilo que conhece. Veja o que ele disse há muitos anos (para falar a verdade, no século passado): “sempre amei como quem cometia um assassinato premeditado, que cobria várias fases de planejamento e execução”. Isto revela o homem revoltado conforme a concepção de Albert Camus, ou seja, um homem que se opõe à ordem que o condena à morte desde o nascimento. Desta inquietude surge seu impulso criativo que vem se aprimorando a cada publicação.
Eu o conheci na faculdade de Letras, na UFJF. Começamos o curso juntos, e o abandonamos também praticamente juntos, fizemos amizade, e a partir daí foi muita troca de informações literárias. Aprendi muito com ele, a quem sempre venerei.
Sim. É visível em sua obra uma proximidade temática com o spleen, pois a morte é tema recorrente em seus poemas desde os primórdios de sua escrita, embora de forma um pouco diversa do romantismo, pois para Milton Rezende ela faz parte da vida, ronda não apenas a sua vida, mas também a de todos nós. Sem lamúrias e choramingos, ele está sempre nos lembrando que ela está a nossa volta, como num sutil filme de terror. A morte não é fuga, ou solução, mas talvez apenas evidência da precariedade da vida.
Penso que não, pois é um estilo literário que não é do agrado dele, cuja influência que se pode identificar, a meu ver, se resume à temática funesta.
A radicalidade literária, a total entrega à literatura e à poesia em especial. Kafka disse que “tudo o que não é literatura me aborrece”, palavras que se encaixam perfeitamente no perfil do poeta Milton.
Já tive discussões intermináveis com o Milton sobre isso, quando eu acreditava que o poeta poderia e deveria salvar o mundo. Ele me convenceu que o escritor deve apenas escrever, e tentar fazer isso da melhor forma possível. Nada mais.
Em maior ou menor grau, o escritor sempre procurou um jeito de mostrar sua obra, e encontrou. Mas, apenas a qualidade prevaleceu. Só o tempo dirá quem tem qualidade.
Não vejo necessidade de “sobressair”. Um escritor tem que escrever e mostrar sua obra, apenas isso.
Grande poeta, de obra densa, intrigante, que não permite a indiferença ou muxoxo quando é lida. Poeta definitivo, que diz o que quer dizer, sem reticências, sem rodeios, porém sem desperdiçar palavras, sem jogar ao ar blasfêmias estéreis, sem pirotecnia. Às vezes é seco como Drummond, tétrico com Edgar Alan Poe, mortal com Augusto dos Anjos, sensitivo como Fernando Pessoa, mas é sempre Milton Rezende, o que disse que “somos apenas alguns/ao redor de uma mesa/ou de um pensamento/e nos amamos com receio”, em seu segundo livro (Areia – À fragmentação da pedra – 1989) e que hoje nos ensina a fazer poesia: “Não se deve fazer/poesia com eu faço/Poesia é certeza de conceitos, /de imagens e eu não sei/ de nada apenas acho. ” (A sentinela em fuga e outras ausências – 2011). Convém não levar em conta esta lição, pois deve-se sim, fazer poesia como Milton Rezende faz. Poesia da melhor qualidade.
Recebi um livro de versos do Milton Rezende e fiquei alegre em saber que ele era meu conterrâneo, de Ervália. Publiquei em meu blog Gaveta do Ivo uma pequena resenha sobre o livro e trocamos vários e-mails, com isto estabelecendo vínculos de amizade virtual, já que não nos conhecemos pessoalmente até hoje. Incentivei-o a continuar escrevendo poesia em vista da qualidade dos poemas que me mandou e incentivei-o também a escrever um livro sobre a história de nossa terra.
Eu diria que na poesia dele podemos identificar mais traços de angústia existencial do que de spleen.
Qual? O romantismo? Milton é poeta moderno e seu lado sentimental é expresso de forma a evitar quaisquer transbordamentos.
Sua preocupação com o sentido da existência e o destino do homem.
A função do escritor é escrever não importa o que. Sou contra a literatura engajada.
Creio que houve um grande equívoco; surgiram milhares de poetas divulgando doidamente seus escritos sem terem a menor noção do que seja poesia. Mas a Internet é de grande utilidade para o conhecimento de obras importantes a que o leitor não teria possibilidades de acesso ou condições de adquiri-las.
Talento.
Milton já publicou quatro livros de poesia e agora demonstra sua capacidade também na prosa com Textos e Ensaios.
No meu caso conheço a poesia do Milton desde sempre, pois começamos a escrever praticamente na mesma época do colégio e mostrávamos os poemas um para o outro.
Realmente, em todos os livros há esse tom de spleen, um tom mordaz de uma poesia urbana, herdado naturalmente, e até subconscientemente, de Baudelaire. Mas poetas como Álvares de Azevedo, Augusto dos Anjos e escritores como Lovecraft e Edgar Alan Poe exerceram um papel muito importante na formação artística do Milton.
Sim, podemos identificar muito facilmente essas características em muitos poemas de qualquer um dos livros. Para exemplificar poderíamos citar o poema "Saldo" de "O Acaso das Manhãs". Devo dizer que há muitas outras facetas importantes na produção poética do Milton. Mas a busca, a condução, a extrema capacidade do poeta de lidar com temas de um desespero lúgubre e até macabro, fazem dele um poeta singular de muita força.
SALDO
De cotidianos resíduos
arrancados na solidão de prisioneiro
em que todo meu ser se devora,
tento compor uma imagem humana
que me faça aceitável a mim mesmo.
No silêncio da morte aparente
na qual me recolho ao túmulo previsto
não sei com que ânsia mórbida de calma,
procuro juntar os cacos de culpa diária
que reunidos formam um apelo ao suicídio.
E não é só o remorso das manhãs doentias
pelo que na noite se desfez em delírios
de humana fraqueza cansada de si mesma,
é todo um saldo de perdas que tenho que fazer
e lançar no cômputo geral das misérias minhas.
De cotidianos resíduos
recolhidos no isolamento mental de indivíduo
em que todo o meu ser se liberta,
tento compor uma imagem poética
que se faça de ideias e despreze a vida.
(REZENDE, O acaso das manhãs. p.11)
Como eu disse acima o tema da morte e da precariedade são a substância da obra. É claro que também, como em tantos poetas, a solidão, a renúncia, a raiva, o desacato à sociedade, a impossibilidade de viver nessa sociedade, escondem sem esconder, o desejo profundo de amar e ser amado. Mas a técnica literária é muito boa.
Não sei ao certo. Mas acho que o escritor não tem função. Para o verdadeiro escritor, escrever é uma necessidade, uma função em si. Se o escritor é bom é bom para os leitores que ele exista.
Não. De forma alguma. Mudam os meios mas a literatura é incorruptível e sempre haverá escritores incorruptíveis. Aliás posso dizer o mesmo de todas as artes.
Necessário mesmo (mas jamais garantido) é dar a cara a tapa, sair, enfrentar e deixar a preguiça de lado, deixar de lado a timidez. Mostrar a obra para os outros. Mas a busca cega por sucesso é a coisa mais estúpida que um ser humano pode fazer. Se escrevemos é porque queremos mostrar o que escrevemos. Se pintamos é porque queremos mostrar o que pintamos. Mas sejamos sensatos, não é mesmo. Ou talvez totalmente insensatos!
Falar sobre a Obra do Milton, para mim, é fácil, por isso mesmo falarei pouco. É uma obra que de certa forma acompanhou minha própria escrita durante toda vida. Gosto de todos os livros dele, mas gosto mais de "O Acaso das Manhãs" e de "Areia". Sua forma de escrever é ácida, sem concessões. Seus poemas são mordazes, incrivelmente corajosos. Ele nunca poupa a si mesmo nem ao mundo. Milton vem da melhor tradição da poesia e prossegue com ela.
UM CÃO
Um cão latindo na noite
é sempre um cão.
Sem cor, sem nome e sem
significado
para quem o está ouvindo.
No entanto este cão
traz em seu latido,
sombras de milhões de outros cães
sintetizados
em uníssono noite adentro.[...]
(REZENDE, O acaso das manhãs. p.12)
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